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para todas as pessoas que eu odeio

Ouvir nessa canção a frase “ I hate you for what you did and I miss you like a little kid ” sempre me destrói. Phoebe resumiu por mim o teu significado na minha vida e acho que já não tem problema admitir que apesar de tudo sigo sentindo tua falta, ainda que cada vez menos. Eu só preciso continuar indo à analista e me ouvir cuspir dores, rancores e indignações e tentar fazer alguma coisa com isso, ou fazer nada. Quase como daquela vez que me obrigaste a ir ao psicólogo e quando cheguei lá só conseguia chorar. Não saiu uma palavra: tiveste que roubar meus diários pra decifrar que a culpa era tua. E até hoje sofro com cinetose, só que agora emocional e preciso me deitar no banco de trás do carro do mesmo jeito que fazia quando criança, mas não deves te lembrar porque pra ti tudo era uma grande frescura infantil que eu tinha que aprender a controlar. -- Nas poucas vezes que passo pelos espaços que habitamos, eu quase consigo ver pelas rachaduras nas fachadas quantos vezes você socou as pa...

desconhecido

Desenho círculos infinitos na ponta dos teus dedos com a ponta do meu dedo enquanto ouço os segundos passando no teu relógio de pulso. Me faz pensar em como minhas digitais encostam nas tuas falanges quando nos despedimos e balançamos os braços de leve, dependurados nesse momento. O brilho dos teus olhos faz com que eu me veja de uma forma que não me reconheço e um pensamento me perturba. Será que tu me conheces? E dessa dúvida, outras vão surgindo e me fazendo questionar se isso que sinto por ti é verdadeiro. Sem perceber eu te machuco apertando demais tua mão - marcando tua palma com as curvas das minhas unhas. Te peço desculpas pela desatenção, mas volto pra casa me perguntando como pude não perceber. Sendo honesta contigo é exaustivo reparar os estragos anteriores pra te proteger das minhas sombras; nem sei mais como reconstruir os limites necessários para que não sejamos soterrados por destroços passados. Mas tenho medo dessa luz nos teus olhos esvaecer e por isso sigo tentando co...

intrusivo

Levanto-me lentamente. Meu corpo dói e pesa. Aperto os olhos tentando lembrar sobre o que estava sonhando, mas é cansativo fazer esse esforço, meu corpo inteiro parece disposto a não funcionar. Me jogo de volta na cama e algumas imagens passam pela minha mente. Ah sim! – eu penso. Talvez fosse melhor nem sonhar algumas vezes. Ou não lembrar. O que for menos doloroso. Saio da cama cheia de coisas que não consigo identificar. Sigo o dia como se no piloto automático; mal sei o que fiz ou estou fazendo. Se tento me concentrar, tudo o que sinto é dor, então faço o que posso. Tudo é um grande borrão – por vezes das lágrimas se acumulando nos meus olhos enquanto busco contê-las. E eu nem sei de verdade como consigo não me despedaçar a cada passo que dou. É como se a qualquer momento esse fiapo invisível mantendo tudo no lugar fosse partir e sabe-se lá o que sobrará em pé. Mas sigo tentado o máximo que posso. Pelo amor de Deus, eu só preciso sobreviver mais esse dia. Pode ser?! E nada muda. Pa...

confessional

Quando penso naquele telefonema noturno, sinto raiva e orgulho de mim. Foi tão difícil viver aqueles meses de suspensão. Os dias passando, tão iguais, tão mais confusos do que os todos os últimos que partilhamos. Já não sabia os nomes dos dias, se comi, se vivi. Talvez eu tenha dormido. Talvez tenha morrido, por dentro. Guardei teu nome com quem me guia, pedindo proteção, perdão, salvação. O vazio que ia me consumindo não fazia sentido depois de toda aquela vida turbulenta ao teu lado: a dor de abraçar o abismo caloroso do teu peito não se comparava a nada e por isso mesmo foi preciso intervir. Foi preciso afastar, observar, mudar, cuidar. E tem mais um bocado por fazer segundo dita o manual que não sei por onde anda e nem quais respostas trás. Eu lá sei o que to fazendo, sabe? Se já soube como viver, acho que agora não sei mais.Como alguém imagina que eu possa fazer algo? Mal me sinto eu mesma na maior parte do tempo que é capaz de nem me reconhecer mais. Capaz de já ter me despedido ...

perdas e danos*

Aos 18 anos tirei minha carteira de motorista, como quase todos os jovens de classe média do meu convívio, mas nunca me ensinaram a como dirigir minha vida. Por isso, aceitei a primeira mão estendida e parti. Fui arrastada de um canto ao outro para aprender a sobreviver ao conteúdo escolar e acadêmico; para saber como me alimentar sozinha; como me virar com uma doença; consertar e usar máquinas úteis, assim como trocar uma lâmpada, uma torneira, um pneu. Eu poderia sobreviver a uma guerra, uma avalanche, um naufrágio, mas quando por fim uma pandemia chegou, eu já estava cansada, cansada de só sobreviver. E quando olho pra trás eu mal posso acreditar em como meu coração responde as dores de outrora. E pela menor fração do segundo seguinte eu percebo novamente que eu consegui, que apesar daquilo que já não lembro, eu continuo aqui. Enquanto criança eu tentava ser forte, mas me escondia em cantos escuros para poder chorar e soluçar e algumas vezes até gritar tudo aquilo que me forçavam a ...

como um oceano

Para Denise Nós nascidas perto do paralelo, filhas de meses quentes, partilhamos muitas coisas menos as preferências climáticas. Enquanto tu, menina praiana da tez dourada, sempre tiveste inclinação para o calor; eu menina enfezada da cara amarrada gosto mais das chuvas e dos locais fechados. E talvez por isso tenhas iluminado tanto a minha vida. Quando atravessaste o Atlântico eu tive medo de todas as loucuras que poderias fazer, mas fostes encontrar o que procuravas e mesmo com todas as intempéries dava para sentir o teu sorriso largo em cada palavra, e eu pensei comigo mesma várias vezes: eu nem devia estar surpresa. Para ser sincera, não sei se te conheço tão bem quanto pensei um dia, mas sinto que me conheces melhor do que eu mesma. Talvez porque eu só seja boa em me esconder de mim. Já te vi mudar várias vezes, entre países e “idiomas”, mas sempre tem alguma burocracia, uma melancolia ou uma pia cheia de louça te esperando. E em todas as visitas que fiz, nas tuas três casas dife...

espiral

Viro na direção do barulho e meu corpo enrijece. Já sentiste uma fisgada na parte de trás do pescoço? Pois imagine a mesma sensação pelo corpo inteiro. Ser atravessada bem ali, naquele espaço de tempo no qual te reconheço e perco a noção de que fiquei parada no meio da via.   Sacudo os braços devagar me desfazendo da tensão e retomando os passos, pensando se foste capaz de perceber como me senti. Minhas mãos estão geladas e acho que não estou respirando direito. Será que vou vomitar? Minha boca amarga e sinto alguma coisa ácida no fundo da garganta.  Se eu pudesse sumir, desaparecer, me camuflar na paisagem, eu faria. E isso faz eu me lembrar de quando te abracei por trás daquela vez, e viraste pra mim, não assustado, mas indiferente, como se aquele pequeno gesto fosse desnecessário, invisível aos teus olhos duros e distantes.  Viro mais uma vez pra ter certeza de que não é minha imaginação, mas lá estás tu olhando na minha direção com a cabeça inclinada enquanto o b...