- Sobre ontem -
(In Memoriam)
A primeira vez que escolhi meu próprio corte de cabelo, eu tinha 11 anos. Estava de saco cheio de minha mãe dizendo “faça um Chanel” ao cabeleireiro toda vez que notava minhas pontas passando ameaçadoramente da metade de minhas costas. Eu me sentia triste.
Amava meu cabelo, o brilho forte contrastando no negro de cada fio, tão diferente do naturalmente minguado tom de amêndoa de minha mãe. Meu cabelo era uma das ligações mais fortes que tive com meu pai, tanto pela semelhança quanto pelas lembranças frágeis de um tempo onde ele ainda colocava minha cabeça em seu colo e passava a mão pelos fios dizendo: “você saiu com os cabelos da vovó e do papai”.
Talvez por isso eu odiasse cortá-lo.
E amasse essas noites. Lutava contra o sono sentindo sua mãe pesada, mas sempre perdia para minhas pálpebras cansadas. E algumas vezes, quando o corte me parecia severo demais e passava a semana aborrecida com aquilo, ele adicionava: “Logo, logo, vai estar de volta. Você é forte, eles crescerão rápido, você vai ver”.
Quando eu tinha 11 anos, e escolhi meu corte pela primeira vez, disse: “pode cortar, mas faz parecer que ainda está grande, tá?”.
Agora aos 27, eu ouvia do cabeleireiro “é só para tirar as pontas, né?”. Olhei meu reflexo no espelho, a franja batendo no queixo e as pontas (que o espelho não mostrava) já alcançavam a linha da cintura. E estava triste. Mas ultimamente esse era meu único estado.
Voltando pelo mesmo caminho, eu andava, observando o saquinho em minhas mãos. Anoitecera e eu quase não conseguia ver o conteúdo dentro. O vento frio anunciava a chuva da época que há semanas vinha batendo ponto naquela hora. Ele passava fazendo a barra de minha saia dançar pelos meus joelhos.
E meus cabelos roçavam meu rosto. Fazendo-me lembrar das longas viagens de carro sozinha com papai, que me deixava baixar o vidro da janela, colocar o queixo na porta e esticar a mão para fora (só um pouquinho) para sentir o vento. O ruído ensurdecedor encobria o barulho que meus cabelos faziam ao acertar repetidamente o tecido do banco.
As paisagens, apenas um borrão aos meus olhos adolescentes me fazem companhia até hoje, até mesmo agora enquanto ando e mal posso distinguir o que vejo pelas lágrimas que tento conter.
Ao dobrar na próxima esquina sinto a pele eriçar com as primeiras gotas frias que caem. Elas me seguem por todo o caminho, empoçando sob meus passos, como se estivessem se afastando de mim, como se na verdade, a chuva já tivesse passado e elas fossem apenas os traços de que ela esteve aqui na escuridão.
Como se fosse ontem, como se eu pudesse sentir as mãos pesadas de meu pai passando pelos meus cabelos curtos, vendo minhas lágrimas e dizendo: “Sua tola vaidosa, não mudou nada. Continua emburrada por causa de um corte e faz parecer uma tragédia. Logo, logo, vai estar de volta. Você é forte, eles crescerão rápido, você vai ver”.
Mas eu mudei penso puxando o conteúdo de dentro do saquinho. Passo os dedos pelos fios e o vento os vai carregando como se não fossem nada, como se não significassem nada. Tal qual o fez meses atrás quando baixei o vidro da janela, botei a mão para fora e chorei ao ver meu pai me escapando pelos dedos.
O tempo vai passando. As noites e os dias e as viagens e eu, continuam sendo o mesmo que foram naquela época para ele, que já se foi. Mas eu mudei. Só eu. Minha tola vaidade desaparecendo no vento que passa assobiando em meus ouvidos o ruído ensurdecedor da saudade que sinto e do adeus que nunca dei.
As luzes dos postes criam círculos coloridos e brilhantes em minhas pestanas enquanto o vento passa carregando o que considerei mais precioso na vida. O próprio vento que não cansa de enfeitar minhas lembranças, soprando o vazio de cada uma delas dentro do meu coração, tão belas, frágeis e translucidas como os círculos coloridos e brilhantes que restam de minhas lágrimas.
E mesmo tendo herdado os cabelos de papai, não somos os mesmos. Nossos laços vão além do que conta o sangue. Minha maior ligação é amá-lo e essa é a verdadeira tragédia no meu dia. Sei que meus cabelos crescerão, mas ele não estará de volta.
Mas ele tinha razão, sou forte. Mesmo com o vento passando por cima de minha cabeça feito sua mão e minhas lágrimas caindo como se fosse ontem.
Shelhass
Baseada na música 바람이 분다 por 이소라.
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