Queimaduras do Frio
O som das minhas botas marrons ecoa nas
fachadas da rua vazia, soturna. Eu acelero os passos na esperança de chegar
mais rápido, mas quanto mais ando, a curva a frente parece ficar mais longe.
Olho para trás e a tua figura me segue. A armação dos teus óculos cintila pelas luzes do poste.
Vou em frente, desejando chegar rápido, mas paro. Olho em volta as casas solitárias e
imagino se me pareço com elas.
Tec. Tec.
Meus passos retornam e sinto vontade de sumir,
desaparecer no ar.
Me sinto cheia, sufocada,
tão, tão pesada.
Ando mais rápido e o vento frio arranha meu
rosto, feito uma toalha gasta. E nada, nem mesmo o ardor do tempo na minha pele
é capaz de me impedir de correr. O ar gelado que eu puxo, me aquece
enquanto eu disparo, desejando que meu corpo aguente a dor que
se expande no meu peito com cada respiração.
Entro na casa, subo as escadas e bato a porta com tanta força que os vidros da janela azul balançam. E
eu respiro. Respiro engolindo as lágrimas não
derramadas. Respiro e respiro tentando acalmar meu peito, tentando diluir o
cansaço no suor que o frio mascarou.
Ponho a testa no vidro ainda condensando e
tento entender o que há de errado comigo.
Voosh...
O vento que balança a barra da minha saia me
faz levantar os olhos e lá estás. Teus olhos sombreados por detrás dos óculos,
como uma terrível barreira entre o que minhas pupilas gritam e as tuas silenciam. Mas eu mal consigo manter meu pulso calmo.
E tiras teus óculos com um gesto tão ancestral quanto teus olhos denunciam. E me viro para a janela esperando que
isso te faça ir embora.
Tic-tac. Tic-tac.
Ouço o quase imperceptível marcar das horas
no meu relógio. E tento combinar esse som ao ritmo do meu coração. No
exato instante em que penso que ele vai relaxar, sinto teus braços em volta de
mim e encostas teu queixo bem no alto da minha cabeça. Minha pele se retrai e sinto calafrios de cima a baixo, como quem acolhe, aceita e pede que por favor ‘fique, fique
comigo’.
E me surpreendo ao perceber que são tuas essas
palavras.
E nelas eu encontro o suficiente para me fazer
partir, sumir, desaparecer.
Eu me despeço dessas partes de mim que reúno uma sobre a outra para me manter aquecida, longe da geada que passa por nós. Ponho tudo isso de lado rezando para que o que
vejas seja o suficiente para derreter tua armadura. Esperando que cada parte
minha que desnudo mostre o quão crua tuas marcas jazem.
Ah.
Ah.
O teu suspiro quente nas minhas veias.
O som da tua respiração abafada.
O ritmo das tuas mãos arde nas marcas que o
frio esconde o tempo todo. E eu me sinto tonta com cada sensação, cada pedaço
de mim que responde a ti, como se o alinhamento dos nossos
pulsos fosse a única forma que encontramos para nos manter aquecidos. A salvo.
E por um breve momento me sinto sob o sol escaldante da minha terra úmida. Longe
desse ar pesado e sufocante que respiro quando preciso te ver. Quando quero te tocar.
Pois apesar de deixar o calor insuportável quando
arranco minhas raízes porque preciso, necessito, tenho que te encontrar e me jogo
sob o céu na esperança de te alcançar antes de cair, sabendo que por mais gelado
que esteja encontrarei o mesmo toque cálido quando me tiveres nos braços.
E vais me dar todo o calor que eu preciso. Vais
me trazer o verão que nunca conseguimos compartilhar, mesmo que eu precise arder
no teu inverno primeiro.
shelhass (editado em 17/01/2024)
Baseada em Swoon por Big Deal
Comentários
assim como nao conheço "Big Deal", mas quem sabe um dia eu nao possa voltar aqui e dizer que virei fã de Swoon tbm? xP
e sobre o texto, eu gostei muito, essa coisa de lembranças é tão pessoal e tão universal ao mesmo tempo! é obvio que eu nao tenho na minha mente uma lembrança da "minha saia se mexendo com o vento" (xD), mas sei muito bem o que é essa sensação de se sentir em casa, se sentir a salvo com alguem, e assim por diante!
bjs
songsweetsong.blogspot.com