espiral
Viro na direção do barulho e meu corpo enrijece. Já sentiste uma fisgada na parte de trás do pescoço? Pois imagine a mesma sensação pelo corpo inteiro. Ser atravessada bem ali, naquele espaço de tempo no qual te reconheço e perco a noção de que fiquei parada no meio da via.
Sacudo os braços devagar me desfazendo da tensão e retomando os passos, pensando se foste capaz de perceber como me senti. Minhas mãos estão geladas e acho que não estou respirando direito. Será que vou vomitar? Minha boca amarga e sinto alguma coisa ácida no fundo da garganta.
Se eu pudesse sumir, desaparecer, me camuflar na paisagem, eu faria. E isso faz eu me lembrar de quando te abracei por trás daquela vez, e viraste pra mim, não assustado, mas indiferente, como se aquele pequeno gesto fosse desnecessário, invisível aos teus olhos duros e distantes.
Viro mais uma vez pra ter certeza de que não é minha imaginação, mas lá estás tu olhando na minha direção com a cabeça inclinada enquanto o braço de uma mana qualquer repousa no teu ombro esquerdo.
Baixo a cabeça e deixo meu cabelo cobrir o rosto, pois sinto um formigamento se espalhando pela lateral da face e os olhos se enchendo d’água como se eu tivesse entornado uma garrafa de vinho. Pisco tentando remover as sombras na borda da minha visão e tudo o que vejo são riscos luminosos, como se olhasse por um vidro texturizado.
Não me sinto bem, acho que vou desabar e me apoio na pilastra mais próxima. E isso faz eu me lembrar de quando me abraçavas; e no suporte dos teus braços eu me sentia tão amada e tão segura, mas não era real, né? Eu estava ali só pra não teres que olhar o abismo te cercando.
Os tremores, os suores, as luzes dançantes...
A pressão no peito, a falta de ar, os calafrios...
Nas minhas pupilas dilatadas eu enxergo com clareza, mais cristalino que o céu acima de nós.
Todas as vezes que me deixaste chorando sozinha, e todas as vezes que te esperei sem poder dormir, sorrindo pro vazio ao nosso redor.
Todas as vezes que te abracei e me afastaste irritado ou desconfortável. Todas as vezes em que me encolhi sozinha rente à parede, de olhos fechados, tentando ajustar minha respiração.
E enquanto eu sinto a textura rugosa do pilar na minha palma úmida assim como a pontinha da grama no meu dedo do pé, os sons e os cheiros dessa tarde retornam pra mim e eu me recupero. E me recomponho com calma, sabendo que não tenho por que me importar com o que tu podes ver agora se sempre desaparecias quando eu precisava de suporte; quando eu me perdia, assustada e desesperada em mim mesma. Tu não te importas, e eu mesma não ligo já que sigo meu caminho enquanto teu abismo te afaga.
shelhass, escrita original em junho 2023
Baseada na música Losing Grip por Avril Lavigne.
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