BEL/SBBE
Está frio. Gelado pra ser exata. É a primeira sensação que tenho ao passar pela porta de vidro automática. Ando pelo granito brilhoso toda feliz e ansiosa, pensando em todas as piadas e comentários que guardei pra esse momento. Todas envolvendo algo que vivemos sabe-se lá Deus quantos anos atrás. Mal sabe ele que essas lembranças me deram forças quando mais precisei.
Observo o saguão enquanto subo pelas escadas rolantes. Há pessoas pra lá e pra cá puxando ou empurrando volumes, mas eu procuro apenas por aqueles com bolsas de colo, segura de que verei alguma logomarca Nikon.
Um sujeito encostado no parapeito do outro lado me chama atenção. Nas mãos ele segura um telefone de flip quadradíssimo que o denuncia. Achei. Sigo ao seu encontro, mas agora bem, bem devagar. E lentamente vou anotando todas as pequenas diferenças que vejo ao observá-lo.
Ele levanta a cabeça num movimento que declara que ele também está procurando algo. Levanto os braços e aceno, esperando que ele note. “olha pra cá. Eu tô aqui, sua peste”, penso exatamente no momento que ele me vê. No aceno cortês que ele me devolve sou lembrada de todas as pequenas gentilezas que me fez e solto um sorriso de alívio. Ainda é ele.
Vamos nos aproximando devagar e quanto mais perto, mais evidente ficam as marcas do tempo em seus olhos e eu me pego imaginando tudo o que precisou acontecer para que ele estivesse de volta. Por segundos, nós hesitamos, um de frente pro outro, cada um carregando as relíquias de um passado recente. Ele quebra o encanto estendendo os braços e apesar do ar-condicionado e do caos que vivo, sinto o calor transbordar nesse gesto tão raro entre nós que meu coração derrete junto. E essa é a verdade.
shelhass, março de 2022 (editado em 14/01/2024)
Baseada na música 아주, 천전히 por Bibi (비비)
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