Vinte e tantos...

O verão vem chegando. E com ele desenvolvi duas preocupações: aguar as flores da varanda para que elas não murchem e ligar o ventilador na máxima potência para sobreviver ao calor opressor. 
No mormaço da sala enquanto o vento balança meus cabelos, eu me imagino num carro, correndo por uma interestadual qualquer a caminho de águas gostosas que aplaquem a sensação do verão na pele e me tragam o conforto com o qual eu sonho todos esses dias ao sentir o sol brilhar intensamente pela janela logo atrás de mim. E me pego lembrando de tantos verões atrás. Fecho os olhos e sinto como se pudesse pegar na tua mão ao meu lado, no banco de trás, quando eu ainda terminava os meus vinte anos e tu começavas os teus. 

Eu inspiro profundamente, como se pudesse sentir o cheiro daquele dia, como se ainda estivesse sentada no banco de trás ouvindo Pearl Jam cantar sobre filhas enquanto implicávamos uns com os outros ao tirar fotos com as piores poses e caretas possíveis. Lembro de dormir no teu colo em algum momento, embalada pelo meu próprio coração carregado de sonhos infinitos de nós dois. 
Nos meus sonhos e nessas lembranças também, os teus olhos castanhos brilham intensamente feito o sol na janela logo atrás de mim; o calor do teu corpo parece o tempo nessa sala quente e úmida; e o meu sorriso carrega a vibração da tua voz cortada pelo vento que balança os meus cabelos cor de cobre e vai levando para longe esse dia, que cada vez mais vou lembrando cada vez menos. E não sei ao certo quantos desses “para sempre” de nós do passado, ainda conseguirei reter antes que o sol se ponha ou que o verão acabe. 

Abro os olhos encarando as flores na varanda e me ocorre que eu nunca tinha me importado tanto com flores como agora. Assim como tem tanta coisa que eu sei hoje que nunca soube ontem ou sequer antes.
Os meus cabelos trocaram de cor e de tamanho; os óculos que eu uso já não são mais os mesmos; e meus olhos embaçam com muito mais frequência do que eu gostaria. Nada durou pelo tempo que eu esperava, nem eu, nem tu. Mas quando o verão vem chegando e eu fecho os olhos para imaginar viagens longas de carro em busca de águas gostosas, eu volto a sentir tua mão na minha no banco de trás, o teu cheiro de algodão e alguma outra coisa vem junto com o vento balançando os meus cabelos enquanto eu canto, sem saber, sobre essa mão que oprime. 
E todos aqueles sonhos ao entardecer com nós dois andando de mãos dadas infinitamente vão murchando, como as flores sob o sol impiedoso do presente; derretendo pelos anos que se seguiram e na beleza da nossa juventude passageira... 
...de quando eu ainda terminava os meus vinte anos e tu começavas os teus... 
À sombra da nossa juventude fugaz. 

shelhass, julho de 2022
Baseada na música 스물다섯 스물하나 por Jaurim e nos verões cujos brilho vem se apagando.

Comentários