Celeste Império
Eu realmente não sei bem como me sinto ao esperar pelo ônibus num Sonntag* tão quente, aberto e ensolarado que parece querer homenagear o próprio nome. Enquanto vejo o horizonte ondular no calor impiedoso, minha mente se abre devagar para as faíscas cintilantes dançando à sombra do meu coração. Pergunto-me se desejo mesmo me deixar encantar pela sua beleza fugaz.
Ainda indecisa, a condução chega. Vou de cara limpa, cores opacas, batom escuro. Minhas olheiras denunciam o cansaço e penso que fiz mal ao deixar meus óculos escuros para trás. Mas ele me surpreende dizendo que estou linda. Linda, linda, linda, ele ecoa. Eu viro para o lado rindo, vendo o sol.
...
O caminho é longo, vamos ao som de uma playlist sem sentido, que me move os lábios ao som do que ouço. Eu recito as letras sem som, observando o sol, enquanto ele brinca volta e meia com os meus fios de cabelo indomáveis, inflamados, maleáveis.
Alguns versos parecem conversar diretamente comigo, aconselhando-me. Dando me força. Mas eu ainda não tenho certeza se sei bem o que estou fazendo. Receio o estrago dessa chama cálida que parece fluir pelo banco onde estamos sentados, ouvindo o ruído do motor misturado a baderna do trânsito. Receio o tamanho real desse conforto que ele me traz só de estar ao meu lado, lutando contra a vontade de segurar minha mão.
...
Mas basta chegarmos ao destino para que eu me sinta em casa, rindo, falando bobagens, intimidando. Esqueço onde estou, o que penso que deveria fazer. Eu me perco no bem estar do calor que ele me oferece. E eu queimo sem saber, feito o sol nos meus cabelos.
Vamos às brasas.
Afogueados.
Crestados.
Acalentados.
Brilhantes.
...
E no refúgio dos seus braços eu penso e penso e penso. E tenho vontade de sorrir, de chorar, de cantar. Eu canto versos que ele talvez não entenda, porque no fundo, ainda receio dizê-los. Receio eu, escalda-lo com meus estilhaços. Receio machucá-lo ao invés de ampará-lo.
Por isso eu penso. E canto. E rio. E o recebo assim, sem dizer nada demais. Sem esperar demais. Agradecida pelos elogios singelos. Comovida com suas digitais no meu rosto, seu nariz nos meus cabelos, seus braços a me envolver.
Certa de que encontrei um sol particular.
Um corpo celeste orbitando ao meu redor.
Iluminando minha escuridão.
Aos poucos.
...
Então eu finalmente me decido. Ou ainda, eu percebo que não sinto falta do frio ou das trevas. Que não tenho porque fugir da luz. Então na próxima vez, eu vou calçar feliz meu famoso e amado allstar vermelho. E em homenagem ao dia, colocarei meu vestido florido, e deixarei que ele segure minha mão.
Quer ele saiba o que isso realmente significa ou não.
shelhass
Baseada em Burgundy Shoes por Patty Griffin e situações reais.
*do alemão: domingo, ou ao pé da letra, dia do sol.
Comentários