fenômeno aparente

Eu ando pelos corredores vazios e à medida que dobro cada esquina, me pergunto para onde diabos estou indo. Minha mente vagamente sussurra “lá”. Onde diabos é “lá”? Nem sequer sei por que estou dando voltas no mesmo lugar, seguindo as linhas do chão como se elas soubessem melhor do que eu meu destino.
É sexta e todos os caminhos estão lúgubres. Mas poderia ser qualquer outro dia, qualquer outra hora e ainda assim teria me sentido sozinha. Deixada para trás como uma criança esquecida na escola ou perdida na multidão.
Eu dobro outra esquina observando a linha a frente de meus pés e por pouco não percebo que és tu passando por mim. Tu, acenando nesse gesto que herdamos de nossos ancestrais asiáticos. Nesse leve, quase imperceptível movimento de reconhecimento. E pela primeira vez eu não te devolvo. Finjo que não te vi e penso comigo mesma, que ironia é essa que nos faz cruzar caminhos quando meu coração busca incessantemente um lugar para ficar, sentir-se em casa.
Às vezes, nesses breves encontros, me pergunto se em algum momento, a reciprocidade deste gesto milenar te revelou algo que meu rosto ou meus olhos nublados te escondem. Terei eu declarado meus pensamentos naquele leve sorriso? Parece que sim.
Parece como se pudesses me ler. Saber que eu te convido para vir comigo pelos caminhos obscuros, para segurar minha mão, andar pela chuva. E como nos filmes, te daria um beijo. Dançaria e cantaria e te diria palavras bonitas e daria gargalhadas gostosas para te convencer a escolher tuas melhores palavras e fechar este dia, como se fosse à última vez. Ou melhor, porque seria a última vez.
Antes mesmo que a chuva venha me dou conta de onde estou, do que faço. Eu vejo tudo, desde o teu corte de cabelo até o modo como as palavras que dizes me acertam o peito. Percebo o tempo que passa e o quanto resta até que eu tenha que te dizer adeus em definitivo. E tenho medo. Absolutamente aterrorizada pela realização de que tenho medo e que não tenho ideia se conseguirei encontrar respostas para todas essas perguntas.
Por quê? Porque eu? Porque tenho que sentir isso, quando vim te mantendo a um braço de distância exatamente para que não me fizesses triste, para que não me fizesses chorar, pois sei que esses sentimentos não são suficientes e o melhor que faço é aproveitar os breves, leves e imperceptíveis momentos no qual te encontrar levanta meu espírito, ou teu cumprimento me aquece o peito. E seguimos em frente.
Temos de seguir em frente e por isso mesmo rogo à meus pés que não me abandonem neste momento e me levem adiante os poucos metros que faltam, não importa se meus pés estão machucados pelo allstar® vermelho que usei ontem ou se é porque meu coração se faz em pedaços ainda menores a cada passo.
Sigo em frente crendo que é isso mesmo que temos de fazer, não importando o quão difícil seja, ou se está gravado em algum lugar que é assim que deve ser. Contudo, ainda sufocando tudo isso dentro de mim, segurando tudo de mim, há algo enterrado fundo em meu ser que me impele a esperar que assim que eu atingir aquele portão, te encontrarei para o verdadeiro adeus, para as promessas tolas e os beijos desesperados. Para ter confirmado que és meu.
Meu neste momento final. Meu no mais humilde gesto. Ainda que tudo termine aqui e agora, porque esse é o ciclo que nos compõe – tudo acaba. Num momento, estamos aqui, existimos, nos achamos, e nos perdemos, e nos vamos. E terminamos.

shelhass
Baseada na música Born to Die por Lana Del Rey.

Comentários

Camila disse…
E acontece. É.
Brilhante, como sempre.
Beijo
Dayane disse…
Menina, que bom que apareceu!Fazia mesmo tempo que não me visitava!
Eu tbm tenho essa necessidade de ir indo em frente, é instinto de preservação, mesmo quando estou aos cacos.
Não some não!Gostei muito da sua volta!Bkos