Minha Senhora

São pouco mais de três horas. Ela dorme sob o efeito de doses e mais doses de morfina, com o braço estirado ao lado, protegendo-se da perda de mais uma veia e de mais um novo furo na pele já desgastada pelos anos.
Eu fico de pé sob o azulejo antigo e desgastado do 179, observando as revistas, e a TV que diverte a si mesma. A enfermeira entra e no silêncio de suas horas mal dormidas, troca novamente o único e gotejante alimento, que pouco a pouco escorre pelo capilar transparente.
Sei, graças à vigília, que não é nada além do pâncreas rejeitando todas as bobagens que eu peço, do jeito que só uma neta é capaz, para que ela não coma. É tarde para fingir que não me sinto abalada por estar aqui, no mundo solitário da espera ansiosa de uma morte, como àquela no fim do corredor ontem à noite. E isso me atinge, assim, no simples segundo da queda de uma gota.
Eu olho em volta, para o teto alto e a porta de madeira nobre brilhando do polimento diário, com os nervos esperando por algo devastador, e a cada expiração tua, eu sei que a teimosia te rouba um pouco mais para além de mim.
Nas memórias violentas que eu recordo, como uma câmera gravando tudo, eu sei que prefiro ter-te na manutenção de teus caprichos, do que deixar-te por meus sonhos reais. Lembro-me de teus monólogos sobre a vida. Tuas concepções sobre o que é ideal para mim, sem sequer preocupar-se em perguntar-me se eu assim creio. Todos os planos não passam de tímidas promessas de tempos passados.
Eu respiro o ar condensado de água sanitária e chego à conclusão de que já suportei demais minhas confissões mudas em teu leito. Pois mesmo tendo meus próprios ideais, eu seguirei os teus se isto puder te manter um pouco mais aqui (comigo), se isso te fizer feliz...
E do mesmo modo infeliz, sob o qual percebo que sou a única que ficará contigo não importando os desafios, eu penso; quem irá assistir tua morte se eu me for? Quem mais sentirá como eu, mesmo sem porque, me sinto agora?

shelhass
Baseada na música What Sarah Said por Death Cab For Cutie e situações reais.

Comentários

Manoel Freire disse…
ooown.. que triste-deprimente. Só death cab pra me deixar assim também.


aah siim, você tambem foi parar no meu blog-room, mas.. Porque no meu link, no seu blog eu estou como "de olho na rotina"?

Ahh, os meu pseudonimo, está em ativa, escrevendo.
Beijo
Nadezhda disse…
Nunca prestei atemção nas letras do Death Cab. Aliás, raramente eu presto atenção em letras em qualquer outra língua. Mas como você sempre posta deles, vou começar a reparar.

Tava vendo "No Gramofone", gosto de The Kooks tbm ;)
Darshany L. disse…
ai que não estou para me emocionar agora
:(
Camila disse…
Nossa!
"Eu respiro o ar condensado de água sanitária..."
Pude sentir o cheiro daqui!
o.O
Camila :) disse…
nossa que lindoooooo *----*
valeeu a penaa ler ahhahua



;*
T disse…
nesse momento depre q me encontro
o texto veio a calhar
quase choro !
haha

shella
escreves bem demais menina :Z
para com isso!
UAHEIUAHEIUHAE

:*
Carlos Howes disse…
È um momento deveras deteriorante... Eu consigo imaginar a cena da gota, e ela causa um impacto. Mais um bom texto.

Beijo.
Manoel David disse…
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